Proposta II

Lucrecia Greco (This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.)

Na mesa redonda tivemos depoimentos desde as existências, como pessoas no mundo, e como pessoas no mundo acadêmico. A mesa dispus corpos diversos a falar e potencializar nossas posiçõese nossas existênciasna produçãode saberes.

Participei da mesa como consegui, sendo mãemúltipla, levando minhas crias, sem produzir discurso sobre o assunto mas mostrando com nossas presenças corpóreas, fundidas pela amamentação e a dependência dos cuidados, a importância de sabermos sempre pessoasincorporadas, corpos situados. Assim, essa semana da antropologia realmente permitiu encarnar no pódio das palestras acadêmicas todas as corporalidades rejeitadas pela academia hegemônica: corpos que evidenciam sua situacionalidade e lugar de enunciação com a sua presença. Corpos que mostram como produzimos conhecimentos situados e posicionados no mundo.

Na exposição tentamos (digo em plural porque me considero uma ser múltipla, não só por ser mãe,mas por ser constituída por múltiplas afecções) ressaltarcomo a antropologia focada na corporeidadee nas performances como um “movimento” legítimo, é um passo relativamente novo nas danças antropológicas. Entender que corporeidadee movimento são parte da política do cotidiano, são fatores constitutivos da pessoa foi fruto de um esforço de legitimação dentro do âmbito acadêmico, esforço nutrido de danças de abraço com outros campos de conhecimento, vindos dos movimentos sociais, dos povos originários, dos setores populares e de outros campos disciplinares.

Mesmo existindo uma longa história da corporeidadena antropologia, desde clássicos como Mauss, Bourdieu, Mead, até posições consolidadas na atualidade como a de Csordas, em alguns âmbitos acadêmicos existe ainda um certo provincianismo logocêntrico, que entende que a produção de conhecimento se situa no cérebro, e no máximo nos olhos que vêem, nas orelhas que ouvem e nas mãos que escrevem ou na boca que fala, desconsiderando que todas essas partes estão encarnadas nos nossos corpos e que todos os nossos corpos estão situados. Sempre vale a pena fazer esse “aquecimento” na nossa dança quando enfocamos nas corporeidades.

Por exemplo, na Universidadede Buenos Aires, Argentina, a antropologia “econômica” e “política” desconsiderou muitos anos qualquer tentativa de estudar corpos e performances por achar que esseselementos eram “superestruturais” e não teriam nada a contribuir na compreensão de fenômenos sociais. Assim, mesmo num campo politizado, as corporeidadesforam excluídas ou consideradas objetos menores ou acessóriosde pesquisa, (podemos fazer um paralelo a como a reflexão sobre corpos genderificados e racializados e cosmopolitismo, ecofeministas, foram excluídxs dos movimentos sociais durante anos).

Nestas andanças hoje em dia existe todo um campo de estudos enfocado no corpo e legitimando as próprias corporeidadesdxs pesquisadores como ferramenta de pesquisa. Nesse sentido existe hoje uma rede de antropologia de e desde os corpos que acolhea todos os dançantes e inquietos antropólogos que querem mexer o esqueleto, o sangue, os músculos quando fazem pesquisa. E que consideram que mexendo os corpos com sentido político podemos sim gerar transformações.

Afortunadamente tanto nos movimentos sociais quanto na academia hoje existe uma forte experiência e sentipensamento que considera o corpo como locus privilegiado da resistência. Nosso desafio como pesquisadorxs é poder gerar ferramentas analíticase modos de comunicar no âmbito acadêmico e extra acadêmico como os corpos são bons para sentipensar problemáticas antropológicas. Pensar o que que podemos dançar e dizer como antropólogxs sobre as corporalidades. Desde minha própria experiência e a do esquipe de Antropologia del Cuerpo da Universidad de Buenos Aires apresentei algumas propostas metodológicaspara que a pesquisa seja “incorporada”, e para encarnar nossas reflexões.

Eu expus particularmente meu trabalho de graduação com capoeiristas do RS, por considerar que o grupo ao longo dos anos experimentou mudanças cosmo. micro e macro políticas no que refere as corporalidades racializadas e generificadas dxs capoeiristas. Trata se de um grupo que começou como masculino e brigão, mas sempre popular e gratuito e hoje e integrativo, queer, feminista e continua sendo popular e gratuito! Eu foquei na história do grupo e no modo em que o treino específico na capoeira com sentido político emancipatório foi mudando percepções, experiências e posições dxs capoeiristas.

As propostas teórico-metodológicas gerais para trabalhar desde as corporalidades consistem em entendermos e sermos sentipensantes desde os nossos corpos-territórios, como espaços de resistência, trilhando diversos caminhos ao fazermos pesquisa social. Trata se de modos de observar e estar em campo e no território de luta para dar mais espaço ás corporalidades, tanto na descrição quanto na prática.

A proposta é pensarmos sentirmos sempre situados. Observar e interagir corporalmente nos territórios onde pesquisamossaber e ressaltar que o pensamento e o olhar está sempre encarnado, sabendo nós pesquisadores e sujeitxs desde perspectivas parciais situadas entender nossas sensibilidades, abrir ouvidos aos diversos modos somáticos de atenção (tal como a proposta de Csordas) habilitados por específicos modos de existencia. Somos corpos situados, mulheres negras, mães, pessoas trans: temos posições de enunciação que ganham seu espaço e falam alto, buscando espaço para ser ouvidas. (pág. 76-79))

Publicação Coletiva
Demandas dos Movimentos Sociais à
Antropologia / XVII Semana da Antropologia
DAN/PPGAS UFRN – RN
Natal, RN – UFRN, 2019
Revista Barbante
Modo de acesso:
ISSN: 2238-1414
 
Revista Barbante Modo de acesso:https://www.revistabarbante.com.br/ISSN: 2238-14141.Movimentos Sociais, 2. Antropologia, 3. DemocraciaCDU:301
 

 

 

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